ENSINAR O QUE JAMAIS SE ENSINA

Celso Antunes*
Imagine que você está sentado calmamente em um lugar público, que ao seu lado existem diferentes pessoas, jovens e velhas, obesas e magras, calmas e agitadas, e que um imprevisto impõe a todos a necessidade premente de sair correndo. Será que alguém argumentaria que não sabe correr? Informaria ao vizinho atônito que tem pernas e músculos em ordem, mas não pode sair correndo porque jamais aprendeu? Isso é possível? Claro que não. Todas as pessoas “sabem” correr e, gostando ou não disso, sairão correndo se for necessário. Correr, assim como andar, falar, respirar, comer ou beber, constitui uma ação do cotidiano que ‘não se aprende de forma específica’ com um professor previamente preparado. Se indagarmos a essas pessoas como aprenderam a fazer isso, certamente nos responderão que “aprenderam aprendendo”, afinal a vida “nos ensina uma porção de coisas” e, sem mais papo, encerrarão o assunto.
Entretanto, não vamos encerrar este artigo assim tão depressa e, por esse motivo, insistimos e indagamos: será que uma pessoa que “sabe correr” não teria “coisas” a aprender sobre isso? Não é possível aprender a “correr melhor”? Será que um professor de Educação Física ou um especialista em treinamento, olhando uma pessoa correndo, nada teria a lhe ensinar? Será que a postura usada na corrida está correta? Será que a pessoa sabe dar a passada de maneira a aproveitar o potencial dos seus músculos?
O que deve colocar antes no chão, a ponta dos pés ou o calcanhar? O corredor eventual sabe respirar durante a corrida? Respira-se pela boca, pelo nariz ou alternando-se os dois?Não é difícil saber aonde se pretende chegar com essas considerações. Muito do que não se ensina hoje e, mesmo assim se aprende, seria mais bem aprendido se fosse devidamente ensinado por um profissional atento, observador e, sobretudo, eficiente e competente. Chega-se, assim, a questões cruciais da educabilidade humana, sobretudo na infância.
Quanto se investe para ensinar uma criança a falar? E para descobrir o sentido das palavras e a expressão dos conceitos? Com que idade desenvolvemos sua sensibili­dade tátil, ensinando-lhe a ler em braile? Existe um programa para ensinar os pequenos a pensar? E a atenção deles, de que maneira é trabalhada? Como podemos educar as memórias e, devagarinho, treiná-las para que se tornem mais abrangentes, como mais fortes se tornam os músculos que, pouco a pouco, vão sendo treinados? Qual a melhor idade para se ensinar a beleza? Beleza não se ensina?
Se fosse possível acreditar nessa tolice, seríamos capazes de imaginar que o olhar de Picasso, de Monet e de Portinari seria igual ao nosso e que, portanto, a arte é uma mentira, uma convenção, uma simplória ilusão. A beleza se ensina, como se ensinam bondade, justiça, verdade etc. É possível treinar o pensamento, as memórias e a atenção da mesma maneira que se treina a criatividade e a sensibilidade para diferenciar o simples “olhar” do abrangente “ver”. Ensinar não é apenas transformar informações em conhecimento, mas aguçar a sensibilidade para o som, a acuidade para o tato e libertar o olfato.
Quanto tempo seus professores gastaram para educar seus sentimentos, ensinando-o a perguntar, responder, investigar, procurar encantamento, decodificar símbolos, fazer amigos, solidificar relações, identificar o espanto, libertar os movimentos, compreender o imenso significado da carícia, suplantar os estreitos limites do conhecimento, acordando toda a onisciência que dorme dentro de você?
Provavelmente, tempo nenhum. Você nasceu numa época em que não se ensinavam essas “coisas”, posto que a própria vida o faria. Lamente esses tempos e crie novos. Não deixe de levar a seus alunos o que, por desconhecimento ou descaso, na vida lhe faltou. Ninguém precisa nos ensinar a correr, mas alguém com essa meta por certo vai nos levar aonde sozinhos jamais chegaríamos.
*Celso Antunes é bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo; Especialista em Inteligência e Cognição; Mestre em Ciências Humanas; autor de mais de 180 livros; e consultor de revistas especializadas em Ensino e Aprendizagem.
E-mail: celso@celsoantunes.com.brSite: www.celsoantunes.com.br