TEXTO DO MEC, VISÃO ATUAL SOBRE OFICINAS PEDAGÓGICAS

A operação das oficinas pedagógicas
A Oficina Pedagógica, qualquer que seja a sua referência de situacionalidade, isto é, independentemente da circunstância do aluno, é um espaço de aprendizagem estruturado a partir de unidades de trabalho. Dirige-se, por isso, a diferentes níveis e modalidades de ensino e tem, no acervo de material teórico e experimental, o alargamento das possibilidades de o aluno desenvolver projetos e tarefas específicos. Nesta perspectiva, a interação aluno/professor, aluno/objeto e aluno/alunos termina por produzir uma relação pedagógica diferenciada no interior do processo de aprendizagem, facilitando a construção da resposta à indagação: como se ensina e como se aprende a realidade, enquanto um conjunto de significados?

Se adequadamente concebida e organizada, a Oficina Pedagógica pode ser um ambiente fecundo para “(...) liberar a criatividade, propiciar condições de expressão de pensamentos, idéias e sentimentos, de várias maneiras ”. (MÜTSCHELE e GONSALES FILHO, 1997, p. 19).

No caso do aluno com deficiência mental e com deficiência múltipla, as Oficinas Pedagógicas significam a possibilidade efetiva deste aluno vivenciar processos de aprendizagem diretamente vinculadas com suas condições pessoais, seja porque se trabalha com dimensões concretas do conhecimento, seja porque, neste ambiente, professor e aluno negociam formas de construir a percepção mais imediata dos objetos, processos e procedimentos, descobrindo, assim, maneiras de melhor observar, sentir, apropriar-se, trabalhar, interagir, transformar, operar e fazer.

A grande dimensão pedagógica das Oficinas para os alunos com necessidades educa­cionais especiais é que a eles é disponibilizada uma forma particular de conhecer e conceber a vida. Uma forma particular de fazer.

Uma das marcas registradas das Oficinas Pedagógicas é a chamada pedagogia da presença. Ou seja, antes de qualquer conceituação mais especializada, ou antes de qualquer registro mais completo no âmbito de uma visão diacrônica do surgimento das Oficinas Pedagógicas reportadas à realidade da aprendizagem do aluno com Necessidades Educacionais Especiais, cumpre fazer este registro essencial: o que caracteriza substantivamente o recurso de apoio psico-sócio-educativo das Oficinas Pedagógicas é a presença de atores consorciados como força construtiva de desenvolvimento da aprendizagem de individualidades sui-generis.

Evidentemente, quando se fala em presença como matriz referencial da aprendizagem assistida dos alunos DM e DMul via Oficinas Pedagógicas, não se está cogitando, apenas, do aspecto exterior da presença, senão do envolvimento inteiro da instituição educativa e dos seus instituintes com o educando, possibilitando-lhe ir construindo, com segurança, uma aprendizagem autocompreensiva, inteiramente centrada na valorização e no adensamento dos aspectos positivos do aluno com Necessidades Educacionais Especiais para realçar dimensões inescapáveis da identidade, tais como:

a) Autoconceito: compreensão da vida, de suas virtualidades e valores; b) Auto-estima: amor a si próprio, explicitado através de expressões de auto-respeito e valorização; c) Autoconfiança: consciência de que é capaz de aprender, de executar ações e de compartilhar trabalhos.

Este bloco de dimensões é diretamente responsável pela ultrapassagem de dificuldades contextuais e de limitações pessoais por parte do aluno com Necessidades Educacionais Especiais. É necessário não perder de vista que a dimensão básica da pedagogia da presença, marca registrada das Oficinas Pedagógicas aqui enfocadas, é realçar o que há de positivo no aluno com Necessidades Educacionais Especiais, evitando-se, na organização e execução dos programas de ensino de rotulá-los e classificá-los através de categorias baseadas em suas deficiências.

O regime de aprendizagem nas Oficinas Pedagógicas para alunos com deficiência mental e múltipla começa a partir dos 14 anos.

Pode ser oferecido em Escolas Especiais Governamentais e Não-Governamentais. A saída do aluno das Oficinas Pedagógicas para os cursos de Qualificação Profissional ocorre a partir da verificação de desenvolvimento dos alunos no que tange às Habilidades Básicas, Específicas e de Gestão.

Os alunos que estiverem nas Oficinas Pedagógicas deverão cumprir uma carga horária de 8 horas por dia, assim distribuídas: u 4 horas ocupadas com atividades de educação geral; u 4 horas ocupadas com atividades de preparação para o trabalho. Convém lembrar que, no caso das atividades de natureza acadêmica, a metodologia e técnicas adotadas devem corresponder às práticas pedagógicas definidas para educação de jovens e adultos.
Em síntese, ao Portador de Necessidades Educacionais Especiais devem ser assegurados todos os meios educacionais para ele desenvolver, plenamente, as suas efetivas possibilidades humanas.

Esta perspectiva passa pela educação do PNE para o trabalho, sem o que não há como o aluno com Necessidades Educacionais Especiais voltar-se para a sua autonomia, concebida como a consciência de uma unidade que permite o acesso a uma forma de representação de si (DETRAUX, 1999, p. 211) e, a partir deste estágio, ir construindo a capacidade de autodirigir-se.

No horizonte aqui apontado, trabalha-se o conhecimento como um esforço do espírito humano * para apreender, compreender e depreender a realidade. Esta seqüência compreensiva se opera mediante a atribuição de sentido que, por seu turno, se faz através da manifestação de nexos entre objetos e situações de realidade. Nexos que “(...) sejam aptos a satisfazerem as exigências intrínsecas dessa subjetividade ao mesmo tempo que viabilizam alguma modalidade de intervenção prática do homem sobre esses objetos e situações ” (Antônio Joaquim Severino, 2002, p. 10).

As Oficinas Pedagógicas representam, assim, um espaço concreto e funcional do aprender humano, do fazer humano, mas, sobretudo, do emancipar-se. Emancipação que encontra, no trabalho, a própria essência da construção de projetos de vida.

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Quem são e como aprendem os alunos com deficiência mental/intelectual

Os alunos com problemas intelectuais graves são aqueles cujo desempenho intelectual se situa, aproximadamente, no 1% mais baixo da distribuição normal da população. Tradicionalmente, eram alunos que apresentavam Q. I. com valores abaixo de 50 e muitos eram designados de atrasados mentais moderados, severos ou profundos. Além de apresentarem um funcionamento intelectual dentro do 1% mais baixo da população em geral, estes alunos apresentam, ainda, uma vasta gama de dificuldades associadas, como seja a surdez, cegueira, cegueira-surdez, dificuldades nos movimentos finos, comportamentos inadequados graves, incapacidade de comunicação verbal, incapacidade de andar sem ajuda, ritmos de resposta extremamente baixos e graves problemas de saúde.

1 - Característica de aprendizagem e comportamento

A indicação de problema intelectual grave deverá significar diferenças, tanto em grau como em qualidade, em relação aos que não são assim designados. Ao compararmos estes alunos com os seus colegas sem problemas da mesma idade cronológica, eles evidenciam dificuldades no comportamento e em quase todas as áreas da aprendizagem. Estas dificuldades deverão ser contempladas individualmente e construtivamente nos programas educativos. Isto não implica minimizar uma realidade irrefutável e extremamente importante de que, embora intelectualmente diferentes, eles são cidadãos de pleno direito considerando várias dimensões como dignidade humana, direitos constitucionais, liberdades individuais, direito à educação e qualidade de vida. Abaixo vamos referir-nos a seis de entre muitas das características importantes da aprendizagem e comportamento e que são objeto de tratamento especial neste artigo.

2 - O número de competências que podem ser adquiridas

Desde o nascimento até os 21 anos, os alunos com problemas intelectuais graves adquirirão muito poucas competências comparativamente com os aproximadamente 99% restantes que constituem os seus colegas da mesma faixa etária. Deste modo, é extremamente importante selecionar as aprendizagens mais importantes para um desempenho efetivo tanto nos ambientes integrados e atividades imediatas como futuras. Por outro lado, não deveremos desperdiçar tempo letivo a ensinar competências que não sejam minimamente propiciadoras de uma qualidade de vida aceitável em ambientes e atividades integradas. Uma das estratégias a que podemos recorrer para determinar a importância relativa do ensino de uma determinada competência - o recurso ao "Perguntar por que razão..." – é nos apresentada por Brown, Shiraga e outros (1987).

3 - Número de repetições e tempo necessário para adquirir competências com um mínimo de qualidade aceitável

Geralmente, quanto maior for o atraso intelectual de um dado aluno, maior será o número necessário de repetições de uma dada aprendizagem, para que seja conseguido um desempenho com uma qualidade aceitável. Assim, deverão criar-se condições para que, individualmente e de um modo empírico, no tempo letivo do aluno se favoreça o maior número de repetições de uma dada aprendizagem. Por outro lado, deveremos evitar estipular aprendizagens com tempo determinado ao longo do currículo como, por exemplo, "Nas sextas-feiras de novembro vamos jogar bola", "Em fevereiro vamos aprender como fazer compras".

4 - Esquecimento - Evocação

O esquecimento define-se pelo decréscimo no desempenho de uma determinada competência adquirida depois de passar algum tempo e durante o qual ela não é exercitada ou é exercitada com pouca freqüência. A evocação refere-se ao tempo e esforço letivo necessário para reaprender uma dada competência e atingir um nível de desempenho semelhante ao inicial. Geralmente, os alunos com problemas intelectuais graves tendem a esquecer mais e a necessitar de muito mais tempo e repetição para recuperar as aprendizagens ao nível inicial do que os restantes alunos. Estes problemas de esquecimento-evocação sugerem-nos 4 princípios educativos: 1. Competências exigidas freqüentemente em ambientes não escolares, com os quais o aluno tenha geralmente de se confrontar, deverão ser objeto do programa do aluno. 2. Antes de incluir essas competências no programa de aprendizagem do aluno, deve confirmar-se que realmente cada uma dessas competências será utilizada freqüentemente se tiver sido aprendida. 3. Deverá existir um conjunto de serviços educativos ao longo de todo o ano. 4. Deverá existir uma coordenação e uma comunicação perfeita entre as pessoas relevantes dos ambientes escolar e não escolar.

5 - Transferência - Generalização

O desempenho de uma dada competência sob condições diferentes daquelas em que ela foi adquirida é designado de transferência de aprendizagem ou generalização (Stokes & Baer, 1977; Williams, Brown & Certo, 1975). Geralmente, quanto mais grave for o problema intelectual de um dado aluno, menos segurança temos em acreditar que as aprendizagens feitas em dadas circunstâncias se utilizem aceitavelmente noutras circunstâncias. Por exemplo, é muito pouco provável que um aluno, com atraso intelectual profundo com paralisia cerebral associada, seja capaz de transferir as competências necessárias para tirar 12 ovos de plástico de uma embalagem de ovos de plástico e colocá-los na seção de ovos da geladeira de plástico de uma cozinha simulada da escola, para a de sua casa, onde será necessário pegar em ovos reais, retirá-los da sua frágil embalagem e colocá-los delicadamente na geladeira.

6 - Complexidade das tarefas

Existe uma infinidade de tarefas complexas que podem ser adquiridas por alunos sem problemas e que, ou não poderão ser adquiridas por alunos com problemas intelectuais graves, ou o investimento na sua aprendizagem é extremamente desvantajoso e ineficaz. Memorizar a tabuada, fazer grandes operações de dividir, aprender os nomes dos Presidentes da República, ou cantar o Hino Nacional, são alguns poucos exemplos disso. Igualmente, pretender ensinar competências complexas que exigem tempo e esforço altamente desproporcionado conduz a desequilíbrios curriculares graves. Um claro exemplo do que acabamos de dizer é dar preferência à utilização de 2 horas diárias no ensino da categorização dos alimentos em 4 grupos, em vez de ensinar o mínimo necessário para preparar uma refeição simples, comprar o que seja necessário ou saber fazer o pedido de uma refeição num restaurante. A escola deve proporcionar o ensino eficiente e rentável das várias competências complexas necessárias a cada indivíduo e que sejam adequadamente equilibradas face às exigências da larga gama de ambientes integrados escolares e não escolares.

7 - Síntese de competências

Um aluno sem problemas intelectuais poderá aprender uma competência no domínio da matemática, outra no domínio da leitura e uma terceira no domínio da linguagem. A partir destas diferentes aprendizagens, ele será capaz de sintetizá-las e aplicá-las ao fazer compras na loja do seu bairro. É muito pouco provável que um aluno com problemas intelectuais graves seja capaz de sintetizar aprendizagens de 3 contextos diferentes e aplicá-las de um modo funcional numa outra situação. Estas dificuldades exigem que o ensino seja ministrado nos ambientes que exijam essa mesma síntese. Em outras palavras, muitas competências necessárias para fazer compras, como seja sociabilização, operações com dinheiro, leitura, linguagem, motricidade, segurança rodoviária e outras deverão ser ensinadas em situação real de fazer compras a sério.

Em resumo, tenha em mente alguém que pode aprender, mas menos que os restantes 99% dos seus colegas da mesma idade; que necessita de muito mais tempo e repetição para aprender e reaprender do que os outros; que esquece mais do que quase todos os outros se não praticar freqüentemente; que tem dificuldade em transferir aquilo que aprendeu num dado ambiente para outro; e que raramente consegue sintetizar as aprendizagens adquiridas em diferentes situações de modo a aplicá-las efetivamente numa nova situação. Por fim, faça a pergunta: "Quais são as características determinantes dum programa educativo que possibilitarão a este aluno ser tão produtivo, independente e eficiente quanto possível, numa vasta gama de ambientes integrados, no final do seu percurso escolar?"

Fonte: Malha Atlântica Portugal Texto adaptado para divulgação no site do Instituto Indianópolis. http://www.indianopolis.com.br/si/site/1143

Extrato traduzido e adaptado do artigo de Kathy Zanella Albright, Lou Brown, Pat VanDeventer e Jack Jorgensen (1987). O que os professores do ensino normal devem saber acerca dos alunos com problemas intelectuais graves. In L. Brown et al. Educational programs for students with severe intellectual disabilities, Vol. XVI. Madison, WI,: Madison Metropolitan Schools District.

AUTISMO E DESORDENS DO ESPECTRO AUTISTA

Marina da Silveira Rodrigues Almeida. Consultora em Educação Inclusiva

O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo Dr. Leo Kanner (médico austríaco, residente em Baltimore, nos EUA) em seu histórico artigo escrito originalmente em inglês: “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”.
Em 1944, Hans Asperger, um médico também austríaco e formado na Universidade de Viena – a mesma em que estudou Leo Kanner -, escreve outro artigo com o titulo Psicopatologia Autística da Infância, descrevendo crianças bastante semelhantes às descritas por Kanner. Hoje em dia, atribui-se tanto a L. Kanner como a H. Asperger a identificação do autismo, sendo que por vezes encontramos os estudos de um e de outros associados a distúrbios diferentes. Autismo é uma síndrome definida por alterações presentes desde idades muito precoces, tipicamente antes dos três anos de idade, e que se caracteriza sempre por desvios qualitativos na comunicação, na interação social e no uso da imaginação.
Estes três desvios, que ao aparecerem juntos caracterizam o autismo, foram chamados por Lorna Wing e Judith Gould, em seu estudo realizado em 1979, de “Tríade”. A Tríade é responsável por um padrão de comportamento restrito e repetitivo, mas com condições de inteligência que podem variar do retardo mental a níveis acima da média.
Não é uma doença. Também não é contagioso, nem, tanto quanto se sabe atualmente, pode ser adquirido por contacto com o ambiente que rodeia a criança. É uma limitação de origem neurológica que, segundo se presume, está presente desde o nascimento repercutindo-se em comportamentos típicos, observáveis o mais tardar antes dos três anos. Embora todas as evidências científicas apontem para que o autismo resulte de uma perturbação do funcionamento e da estrutura cerebral, a causa específica mantém-se ainda desconhecida. De fato, é usualmente aceito na comunidade científica que o autismo resulta de uma multiplicidade de fatores, podendo cada um deles manifestar-se de diferentes formas.

Incidência A incidência do autismo varia de acordo com o critério utilizado por cada autor. Bryson e col., em seu estudo conduzido no Canadá em 1988, chegaram a uma estimativa de 1: 1000, isto é, em cada mil crianças nascidas uma seria autista .segundo a mesma fonte, o autismo seria duas vezes e meia mais freqüente em pessoas do sexo masculino do que em pessoas do sexo feminino. Segundo informações encontradas da ASA – Austim Society of América (http://www.austim-society.org/, 1999), a incidência de 1:500, ou dois casos em cada 1000 nascimentos (Centers for Disease Control and Prevention 1997) e o autismo seria quatro vezes mais freqüente em pessoas do sexo masculina. O autismo incide igualmente em famílias de diferentes raças, credos ou classes sociais.

Etiologia A etiologia do autismo é, portanto, ainda um enigma: as teorias sobre este assunto não são mais do que hipóteses interessantes, mas que exigem investigações mais profundas. A desordem de espectro autista é um termo cada vez mais popular que se refere a uma definição do autismo, que inclui a forma clássica de autismo e outras limitações relacionadas que apresentam muitas das suas características nucleares. A desordem ou perturbação de espectro autista (DEA) inclui, para além do autismo na sua forma clássica: Perturbação “Pervasiva” (Generalizada) do Desenvolvimento (em inglês: “Pervasive Developmental Disorder”) que se refere a um conjunto de características que se assemelham ao autismo, mas que se manifestam de forma menos severa ou menos extensa. Síndrome de Rett, uma perturbação que afecta só raparigas e que resulta de uma desordem genética implicando sinais neurológicos muito evidentes com repercussões comportamentais progressivas. Síndrome de Asperger que se refere a pessoas com autismo, mas que desenvolvem competências linguísticas Perturbação de Desintegração na Infância que se refere a situações em que as crianças se desenvolvem normalmente durante os dois (mais ou menos) primeiros anos, mas que regridem com perda da fala e de outras competências até à elaboração de características autistas.

Descrição do Comportamento As pessoas com autismo são fundamentalmente caracterizadas por apresentarem dificuldades de desenvolvimento na comunicação verbal e não verbal, nas relações sociais e nas atividades de jogo e de lazer. Todos os autistas manifestam problemas acentuados ao nível das interações sociais. Além disso, exibem comportamentos estranhos, e movimentos repetitivos e “circulares”, incluindo comportamentos estereotipados e auto-estimuladores, resistência às mudanças nas rotinas e em outras características do seu ambiente e hipersensibilidade ou hipossensibilidade a certos tipos de estimulação específica que diferem de criança para criança. Algumas pessoas com autismo têm dificuldades de desenvolvimento global das suas competências, enquanto outras adquirem competências elevadas em certas áreas (música, mecânica, cálculo aritmético), manifestando atrasos significativos de desenvolvimento em outras áreas.

Abordagens Educativas e Apoio Educativo Desde há mais de 50 anos, isto é desde que o autismo foi identificado como uma síndrome, que têm vindo a ser sugeridos modelos de intervenções educativas muito variadas. Esses modelos têm, por regra, origem em teorias científicas, mas nem por isso é garantido que sejam eficazes para todas as crianças com autismo. Atualmente, esta insuficiência prática mantém-se, apesar de algumas formas de intervenção serem promovidas pelos seus responsáveis como garantia única de sucesso. Todavia, as intervenções que resultam diretamente de abordagens educativas e humanísticas têm-se revelado capazes de ajudar um grande número de crianças e adultos com autismo, sobretudo na medida em que apostem no ensino de novas competências, habilidades e inteligências múltiplas que capacitem os autistas na funcionalidade do seu comportamento na vida do dia a dia, na escola e nas interações com a comunidade.
Muitos anos de pesquisa e experiência produziram importantes orientações para a organização da intervenção educativa das pessoas com autismo. Essas orientações não se traduzem eficazmente em modelos generalizáveis de intervenção, mas revelam-se, na sua grande maioria, de uma grande utilidade, na medida em que estabelecem marcos de referência para que os educadores, pais ou profissionais, construam com a criança autista um modelo adaptado de intervenção, de acordo com as características de cada uma.
Com efeito, a categoria autismo não é prescritiva: não indica que intervenção deve ser providenciada ou como deve ser organizada para cada criança concreta. De entre as orientações gerais que devem regular o esforço de programação individualizada da ação educativa, salienta-se:

A vantagem de contextos bem estruturados; A utilidade de linhas de orientações mais precisas a respeito das expectativas de comportamentos apropriados e não apropriados; A necessidade de serem incluídos no ambiente da criança sistemas ou materiais, escritos ou pictográficos, que a possam ajudar a compreender e a prever o fluir e a seqüência das atividades; O foco nos esforços educativos no desenvolvimento de competências funcionais que contenham utilidade imediata nos contextos de vida da criança; A utilização de estratégias para melhorar a sua comunicação e linguagem e para se relacionar satisfatoriamente com os ambientes complexos de casa, escola e comunidade; A participação dos pais e outros membros da família em todos os aspectos relacionados com a avaliação, programação do currículo, intervenção educativa e monitorização dos sucessos e insucessos.