Os alunos com problemas intelectuais graves são aqueles cujo desempenho intelectual se situa, aproximadamente, no 1% mais baixo da distribuição normal da população. Tradicionalmente, eram alunos que apresentavam Q. I. com valores abaixo de 50 e muitos eram designados de atrasados mentais moderados, severos ou profundos. Além de apresentarem um funcionamento intelectual dentro do 1% mais baixo da população em geral, estes alunos apresentam, ainda, uma vasta gama de dificuldades associadas, como seja a surdez, cegueira, cegueira-surdez, dificuldades nos movimentos finos, comportamentos inadequados graves, incapacidade de comunicação verbal, incapacidade de andar sem ajuda, ritmos de resposta extremamente baixos e graves problemas de saúde.
A indicação de problema intelectual grave deverá significar diferenças, tanto em grau como em qualidade, em relação aos que não são assim designados. Ao compararmos estes alunos com os seus colegas sem problemas da mesma idade cronológica, eles evidenciam dificuldades no comportamento e em quase todas as áreas da aprendizagem. Estas dificuldades deverão ser contempladas individualmente e construtivamente nos programas educativos. Isto não implica minimizar uma realidade irrefutável e extremamente importante de que, embora intelectualmente diferentes, eles são cidadãos de pleno direito considerando várias dimensões como dignidade humana, direitos constitucionais, liberdades individuais, direito à educação e qualidade de vida. Abaixo vamos referir-nos a seis de entre muitas das características importantes da aprendizagem e comportamento e que são objeto de tratamento especial neste artigo.
Desde o nascimento até os 21 anos, os alunos com problemas intelectuais graves adquirirão muito poucas competências comparativamente com os aproximadamente 99% restantes que constituem os seus colegas da mesma faixa etária. Deste modo, é extremamente importante selecionar as aprendizagens mais importantes para um desempenho efetivo tanto nos ambientes integrados e atividades imediatas como futuras. Por outro lado, não deveremos desperdiçar tempo letivo a ensinar competências que não sejam minimamente propiciadoras de uma qualidade de vida aceitável em ambientes e atividades integradas. Uma das estratégias a que podemos recorrer para determinar a importância relativa do ensino de uma determinada competência - o recurso ao "Perguntar por que razão..." – é nos apresentada por Brown, Shiraga e outros (1987).
3 - Número de repetições e tempo necessário para adquirir competências com um mínimo de qualidade aceitável
Geralmente, quanto maior for o atraso intelectual de um dado aluno, maior será o número necessário de repetições de uma dada aprendizagem, para que seja conseguido um desempenho com uma qualidade aceitável. Assim, deverão criar-se condições para que, individualmente e de um modo empírico, no tempo letivo do aluno se favoreça o maior número de repetições de uma dada aprendizagem. Por outro lado, deveremos evitar estipular aprendizagens com tempo determinado ao longo do currículo como, por exemplo, "Nas sextas-feiras de novembro vamos jogar bola", "Em fevereiro vamos aprender como fazer compras".
O esquecimento define-se pelo decréscimo no desempenho de uma determinada competência adquirida depois de passar algum tempo e durante o qual ela não é exercitada ou é exercitada com pouca freqüência. A evocação refere-se ao tempo e esforço letivo necessário para reaprender uma dada competência e atingir um nível de desempenho semelhante ao inicial. Geralmente, os alunos com problemas intelectuais graves tendem a esquecer mais e a necessitar de muito mais tempo e repetição para recuperar as aprendizagens ao nível inicial do que os restantes alunos. Estes problemas de esquecimento-evocação sugerem-nos 4 princípios educativos:
1. Competências exigidas freqüentemente em ambientes não escolares, com os quais o aluno tenha geralmente de se confrontar, deverão ser objeto do programa do aluno.
2. Antes de incluir essas competências no programa de aprendizagem do aluno, deve confirmar-se que realmente cada uma dessas competências será utilizada freqüentemente se tiver sido aprendida.
3. Deverá existir um conjunto de serviços educativos ao longo de todo o ano.
4. Deverá existir uma coordenação e uma comunicação perfeita entre as pessoas relevantes dos ambientes escolar e não escolar.
O desempenho de uma dada competência sob condições diferentes daquelas em que ela foi adquirida é designado de transferência de aprendizagem ou generalização (Stokes & Baer, 1977; Williams, Brown & Certo, 1975). Geralmente, quanto mais grave for o problema intelectual de um dado aluno, menos segurança temos em acreditar que as aprendizagens feitas em dadas circunstâncias se utilizem aceitavelmente noutras circunstâncias. Por exemplo, é muito pouco provável que um aluno, com atraso intelectual profundo com paralisia cerebral associada, seja capaz de transferir as competências necessárias para tirar 12 ovos de plástico de uma embalagem de ovos de plástico e colocá-los na seção de ovos da geladeira de plástico de uma cozinha simulada da escola, para a de sua casa, onde será necessário pegar em ovos reais, retirá-los da sua frágil embalagem e colocá-los delicadamente na geladeira.
Existe uma infinidade de tarefas complexas que podem ser adquiridas por alunos sem problemas e que, ou não poderão ser adquiridas por alunos com problemas intelectuais graves, ou o investimento na sua aprendizagem é extremamente desvantajoso e ineficaz. Memorizar a tabuada, fazer grandes operações de dividir, aprender os nomes dos Presidentes da República, ou cantar o Hino Nacional, são alguns poucos exemplos disso. Igualmente, pretender ensinar competências complexas que exigem tempo e esforço altamente desproporcionado conduz a desequilíbrios curriculares graves. Um claro exemplo do que acabamos de dizer é dar preferência à utilização de 2 horas diárias no ensino da categorização dos alimentos em 4 grupos, em vez de ensinar o mínimo necessário para preparar uma refeição simples, comprar o que seja necessário ou saber fazer o pedido de uma refeição num restaurante. A escola deve proporcionar o ensino eficiente e rentável das várias competências complexas necessárias a cada indivíduo e que sejam adequadamente equilibradas face às exigências da larga gama de ambientes integrados escolares e não escolares.
Um aluno sem problemas intelectuais poderá aprender uma competência no domínio da matemática, outra no domínio da leitura e uma terceira no domínio da linguagem. A partir destas diferentes aprendizagens, ele será capaz de sintetizá-las e aplicá-las ao fazer compras na loja do seu bairro. É muito pouco provável que um aluno com problemas intelectuais graves seja capaz de sintetizar aprendizagens de 3 contextos diferentes e aplicá-las de um modo funcional numa outra situação. Estas dificuldades exigem que o ensino seja ministrado nos ambientes que exijam essa mesma síntese. Em outras palavras, muitas competências necessárias para fazer compras, como seja sociabilização, operações com dinheiro, leitura, linguagem, motricidade, segurança rodoviária e outras deverão ser ensinadas em situação real de fazer compras a sério.
Em resumo, tenha em mente alguém que pode aprender, mas menos que os restantes 99% dos seus colegas da mesma idade; que necessita de muito mais tempo e repetição para aprender e reaprender do que os outros; que esquece mais do que quase todos os outros se não praticar freqüentemente; que tem dificuldade em transferir aquilo que aprendeu num dado ambiente para outro; e que raramente consegue sintetizar as aprendizagens adquiridas em diferentes situações de modo a aplicá-las efetivamente numa nova situação. Por fim, faça a pergunta: "Quais são as características determinantes dum programa educativo que possibilitarão a este aluno ser tão produtivo, independente e eficiente quanto possível, numa vasta gama de ambientes integrados, no final do seu percurso escolar?"
Fonte: Malha Atlântica Portugal
Texto adaptado para divulgação no site do Instituto Indianópolis.
http://www.indianopolis.com.br/si/site/1143
Extrato traduzido e adaptado do artigo de Kathy Zanella Albright, Lou Brown, Pat VanDeventer e Jack Jorgensen (1987). O que os professores do ensino normal devem saber acerca dos alunos com problemas intelectuais graves. In L. Brown et al. Educational programs for students with severe intellectual disabilities, Vol. XVI. Madison, WI,: Madison Metropolitan Schools District.